Durante séculos, as contribuições das mulheres foram apagadas da história: embora representem 50% da população, ocupam apenas 0,5% dos registros. Isso não foi acidental, mas resultado de estruturas patriarcais que controlaram quem escrevia os registros históricos.

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Capa do livro A Diferença Sexual na História de María-Milagros Rivera Garretas, publicado pela Editora Ginna

A história como conhecemos e nos foi ensinada é apenas um fragmento da totalidade. Durante séculos, os feitos e as contribuições das mulheres foram sistematicamente apagados, minimizados ou atribuídos a homens. Isso não foi um simples “acidente histórico”, é claro, mas resultado de estruturas patriarcais que controlaram não apenas quem fazia história, mas principalmente quem a escrevia. 

Um dado capaz de ilustrar a dimensão do problema é da historiadora Bettany Hughes. Ela aponta que as mulheres, embora sempre tenham sido 50% da população, ocupam apenas cerca de 0,5% da história registrada. 

Entre as fontes que podemos citar para embasar a afirmação está a pesquisa “Where are the women?” do National Women’s History Museum, publicada em 2018. A análise conclui que, dos 737 personagens históricos ensinados em salas de aula do ensino básico estadunidense, apenas 178 são mulheres. Outro resultado alarmante: 53% das menções à história das mulheres se enquadram no contexto de papéis domésticos, com os direitos das mulheres e o sufrágio representando apenas 20% das menções.

Tópicos discutindo mulheres

O gráfico a seguir descreve as palavras-chave para os vários tópicos:

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Papéis Domésticos

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Direitos de Voto / Sufragistas

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Primeira e Segunda Onda dos Direitos das Mulheres

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Direitos Civis

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Na Linha de Frente (Qualquer Guerra)

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Outros

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Era Progressista

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Força de Trabalho

FONTE: Elaboração própria a partir dos dados da pesquisa “Where are the women?” (2018)

Em termos étnicos, mulheres brancas estão notoriamente mais presentes nos materiais (65%), seguidas de mulheres negras (25%) e hispânicas (8%). 

Para Lori Ann Terjesen, diretora de educação do museu, as proporções “não refletem a amplitude e a profundidade das contribuições de todas as mulheres para a história”, afirmou ela, diretora de educação do museu. 

Essa invisibilização se reflete também na produção historiográfica contemporânea: um levantamento feito pela revista Slate, utilizando como referência 614 obras de história popular de 80 editoras que publicaram livros que definimos como história comercial ou que colocaram livros que definimos como história comercial na lista de mais vendidos do New York Times em 2015, combinando não-ficção impressa e ebook, conclui que cerca de 76% dos livros de história são escritos por homens, e menos de 10% desses homens escrevem sobre mulheres. 

Essa exclusão e imposição de um ponto de vista estritamente masculino moldam de forma equivocada nosso conhecimento da história humana e da própria humanidade. É por isso que historiadoras como Gerda Lerner, Michelle Perrot, Rachel Soihet, Mary Del Priore, Marilyn French e María-Milagros Rivera Garretas dedicaram suas carreiras a mudar essa realidade ao buscarem compreender, documentar e superar o apagamento sistemático das mulheres da narrativa histórica.

Recuperando as vozes sufocadas

Um dos grandes desafios para recuperar a história das mulheres é a escassez de fontes. O acesso à educação formal e aos meios de produção de conhecimento foi proibido às mulheres até o início do século XX, ou seja, durante a maior parte da história ocidental. Quando escreviam ou participavam de eventos significativos, frequentemente seus registros eram perdidos, destruídos ou atribuídos a outros.

Dessa forma, o trabalho de recuperação da história das mulheres não se trata apenas de “adicionar mulheres” à narrativa existente. É necessário repensar categorias de análise histórica, reconhecendo que questões como vida doméstica, redes de solidariedade feminina e formas específicas de resistência são historicamente relevantes.

Para dar conta do desafio, Gerda Lerner, pioneira nos estudos sobre história das mulheres nos Estados Unidos, desenvolveu metodologias para identificar e analisar fontes que revelam a participação feminina em processos históricos tradicionalmente narrados apenas do ponto de vista masculino. Por sua vez, Michelle Perrot, historiadora francesa, especializou-se em encontrar as mulheres nos arquivos e documentos onde elas aparecem de forma fragmentária – através de registros judiciais, correspondências, diários e outras fontes não convencionais.

No Brasil, Rachel Soihet trabalhou com fontes que revelam as experiências de mulheres trabalhadoras no Rio de Janeiro do século XIX, mostrando como elas participavam ativamente da vida econômica e social da cidade. Já Mary Del Priore desenvolveu uma abordagem da história que inclui a dimensão íntima e cotidiana da experiência humana, documentando aspectos da vida das mulheres brasileiras desde o período colonial. 

Não podemos esquecer de Marilyn French, com sua obra From Eve to Dawn: A History of Women in the World em quatro volumes, publicados em 2002. Durante quinze anos de pesquisa, ela examinou a vida das mulheres em diferentes civilizações e períodos históricos, desde a pré-história até o século XX. O resultado é uma das maiores contribuições feministas para o conhecimento e registro da história humana. 

A importância da diferença sexual na história

É neste contexto que a obra de María-Milagros Rivera Garretas, que começamos a disponibilizar no Brasil com o livro “A diferença sexual na história”, oferece uma perspectiva inovadora e necessária para a compreensão da história. Rivera Garretas propõe uma abordagem que vai além da simples recuperação de figuras femininas esquecidas. Sua abordagem supera as limitações tanto do essencialismo biológico quanto do construcionismo social, oferecendo uma perspectiva que reconhece a diferença sexual como um elemento constituinte da experiência humana, sem reduzi-la a determinismos nem a construções arbitrárias.

Diferentemente de narrativas que tratam as mulheres como vítimas ou que tentam encaixá-las em modelos tradicionais de fazer história, Rivera Garretas reconhece que homens e mulheres podem criar história de formas diferentes, ambas válidas e necessárias para uma compreensão completa da realidade social e histórica. 

Hoje, quando há movimentos que questionam a importância dos estudos sobre a diferença sexual, o trabalho de historiadoras como Lerner, Perrot, Soihet, Del Priore, French e Rivera Garretas se torna ainda mais relevante. Recuperar a história das mulheres não é um exercício acadêmico isolado, mas uma necessidade para uma compreensão mais completa do passado humano.

Os dados não mentem: quando apenas 0,5% da história registrada diz respeito às mulheres, estamos diante de uma lacuna significativa que empobrece nossa compreensão do passado e limita nossas possibilidades de atuação no presente. 

Por uma história completa

O apagamento das mulheres da história não afeta apenas as mulheres, mas toda a sociedade ao gerar um empobrecimento de toda a compreensão histórica. Ao silenciar metade da experiência humana, perdemos conhecimentos, perspectivas e possibilidades de compreensão do mundo.

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Nós também perdemos a possibilidade de criar uma sociedade realmente livre. Refletindo com Rachel Lee Perez, imagine a diferença de viver em um mundo onde mulheres, de todas as etnias e classes, são consideradas? 

E se, desde criança, meninos e meninas aprendessem que um dos primeiros imperadores do mundo foi uma mulher? (Wu Zetian). E que uma das primeiras escritoras conhecidas também? (Enheduanna). Alguns dos nossos primeiros exemplos de médicos (Peseshet), líderes (Cleópatra), matemáticos (Hipatia) e comandantes militares (Boadice) eram todas mulheres. Que diferença faria na maneira como as mulheres são valorizadas na sociedade atual se meninos e meninas aprendessem sobre as contribuições históricas das mulheres que as tiram dos “lugares comuns” de esposa, mãe ou prostituta? 

Como editora, reconhecemos nossa responsabilidade em trazer ao público brasileiro obras que ampliem as narrativas disponíveis. A história das mulheres representa metade da história humana que merece ser conhecida e compreendida.

Autoras como María-Milagros Rivera Garretas nos oferecem ferramentas para uma compreensão mais ampla do passado e para construir um futuro em que diferentes perspectivas tenham lugar na narrativa histórica. Este é o compromisso de duas vias da editora Ginna: possibilitar uma compreensão mais completa da experiência humana e informar políticas feministas no presente com lições históricas da vida e do movimento de mulheres. 

Conhecer nossa história é conhecer nossa diversidade. E a história das mulheres é uma história de participação, criatividade e contribuição que precisa ser contada e conhecida.

Imagens: Achados arqueológicos com a figura de Enheduanna, filha de Sargão de Akkad. Enheduanna viveu há 4.300 anos e é conhecida como a primeira pessoa a assinar uma poesia na história.

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